Uma explicação que falta
A decisão de apoio a Roseana Sarney é formalmente legítima e juridicamente legal. Mas é equivocada taticamente e desastrosa estrategicamente.A decisão é legítima, porque ela se baseia em dois parâmetros que foram majoritários no processo de eleição das atuais direções partidárias: eleger Dilma é o centro da tática e a aliança com o PMDB é essencial para eleger Dilma.
A decisão é legal, porque o IV Congresso do PT aprovou, também por maioria, que a última palavra sobre a política de alianças nos estados seria do Diretório Nacional do PT. E o Diretório Nacional, no dia 11 de junho, por 44 votos contra 30, anulou a decisão do Encontro Estadual do PT Maranhão e decidiu apoiar Roseana Sarney.
Esta última decisão causou repulsa em metade do PT do Maranhão, estado governado há décadas pela oligarquia Sarney e que, não por coincidência, exibe os piores índices sociais do país. Neste momento, três dirigentes do Partido estão em greve de fome e um recurso foi impetrado na Justiça.
Entendemos e compartilhamos a indignação da militância petista anti-Sarney. Até porque votamos contra o apoio a Sarney, em favor da decisão do Encontro do PT do Maranhão. Mas consideramos que a Justiça não é o foro adequado para resolver a questão; e discordamos totalmente do recurso à greve de fome num caso como este.
A decisão adotada, de apoio a Sarney, é formalmente legítima e juridicamente legal. Frente a isto, há três caminhos: acatar, desobedecer ou sair do Partido. Recorrer à Justiça não é caminho, pois isto significa transferir para o poder de Estado (o famoso "Estado burguês") as decisões internas de um partido.
A greve de fome tampouco é o método adequado para enfrentar a questão. Se o objetivo é reverter uma decisão partidária, a greve de fome é recurso inadequado. Se uma decisão legal e legítima, ainda que totalmente errada, puder ser revertida com uma greve de fome, então não haverá mais qualquer decisão. Se o objetivo é denunciar a truculência política e desgastar a oligarquia, outros métodos seriam mais eficazes, saudáveis e menos sujeitos à manipulação por parte da direita tucano-demista.
Não recorrer à Justiça, interromper a greve de fome e lançar candidaturas petistas à Assembléia Legislativa e à Câmara dos Deputados, capazes de dar continuidade à luta contra a oligarquia Sarney, nas eleições 2010 e depois: este nos parece ser o caminho possível, neste momento, para reduzir os danos resultantes da decisão de apoiar Roseana Sarney, decisão que seguimos considerando taticamente equivocada e estrategicamente desastrosa.
A decisão é taticamente equivocada, porque ela parte de uma leitura tosca, rudimentar, unilateral, da correta tese de que eleger Dilma é o centro da tática. Certamente, compartilhamos integralmente da decisão de eleger Dilma, talvez com mais convicção do que a exibida por alguns que se exaltam publicamente em sua defesa; mas eleger Dilma não é incompatível com a existência de "dois palanques" em alguns estados.
Em 2006, por exemplo, tivemos o caso clássico de Pernambuco, onde dois candidatos a governador (um do PT, outro do PSB) apoiaram Lula, cuja candidatura ganhou com isto. Em 2010, na Bahia, haverá um palanque do PMDB e outro do PT.
Concordamos que um palanque, falando em tese, é melhor do que dois palanques. Mas onde não é possível construir pacificamente um palanque, melhor conviver com dois, do que ofender profundamente uma parte da nossa base social e eleitoral, que vota em Dilma, mas não se considera obrigada a, em nome disto, apoiar ou votar numa determinada candidatura a governador.
O que foi feito no Maranhão fortalece as chances de vitória de Roseana Sarney, mas não acrescenta um único voto para Dilma Roussef. Corremos o risco, pelo contrário, de fazer Dilma e o PT perderem votos. Ou seja: o que foi feito, foi para ajudar a candidata Sarney. Não tem nada que ver com o "centro da tática"; portanto, é um equívoco tático.
A decisão é estrategicamente desastrosa, por dois motivos.
Primeiro, porque --mesmo supondo que fosse útil para a eleição de Dilma-- ela certamente não é útil para, junto com a eleição de Dilma, criar as condições políticas e institucionais para que nossa futura presidenta faça um terceiro mandato superior aos dois mandatos de Lula.
Não se trata de uma decisão que nos ajude a eleger mais governadores, senadores e deputados comprometidos com o nosso projeto de país. Não se trata de uma decisão que fortalece uma cultura de massas democrática e popular. Pelo contrário.
Segundo, é estrategicamente desastrosa porque esta decisão representa uma condenação para o PT, em todos aqueles estados onde nosso Partido não conseguiu eleger o governador até 2002. Como ficou claro em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, como quase também ocorreu em São Paulo e no Rio Grande do Sul, nos estados em que não temos governador, se depender do tipo de postura adotada pelos 44, o PT só pode lançar candidato ao governo aonde nossos aliados não viabilizarem candidaturas que exijam nosso apoio.
Na prática, isto significa que o PT está se auto-condenando a estacionar no lugar onde conseguimos chegar em 2002. Esta decisão política é um haraquiri estratégico: reduz o crescimento de nossas bancadas parlamentares; expõe nosso governo federal a um cerco de governadores; transforma o PT em escada para aliados que estão longe de ser aliados de projeto.
O irônico é que alguns destes aliados não se sentem na mesma obrigação. O PMDB não está apoiando Jaques Wagner (Bahia) nem Ana Júlia Carepa (Pará). Só em Sergipe e no Distrito Federal o PMDB está apoiando candidatos petistas a governador.
Ou seja: vários grupos que integram o PMDB seguem na luta pela hegemonia, enquanto a maioria do PT se auto-impõe interromper nosso crescimento nos estados, interpretando de maneira reducionista o que seriam as necessidades estratégicas nacionais, como se ter força nos estados fosse secundário para governar o país, como se campanhas petistas para governador não ajudassem na eleição de mais deputados e senadores e mesmo na campanha Dilma.
Os números: em 2002, o PT lançou candidatura a governador em 23 estados. Em 2006, em 17 estados. Em 2010, em apenas 11 estados. Enquanto isto, o PSDB terá 17 candidaturas e o PMDB terá 15 candidaturas. Esta redução terá impacto no resultado global da eleição.
Os que defendem alianças deste tipo, portanto, comportam-se como aquele general famoso, que para vencer uma batalha, danifica tanto suas forças, que perde as condições para vencer a guerra.
Algo semelhante ocorreu em 2003-2004: a sobrevalorização da governabilidade institucional quase destruiu o PT; fomos salvos, durante a crise de 2005, exatamente por aquilo que se estava menosprezando, a saber, o próprio PT, os aliados de esquerda e os movimentos sociais.
Os que defendem aquele tipo de aliança, justificam-se dizendo que situações assim serão resolvidas quando houver uma reforma política, que fortalecerá os "partidos ideológicos". É parcialmente verdade. Mas também é verdade que o enfraquecimento do PT e dos aliados de esquerda, reduz as chances de uma reforma política.
O que é pior: alianças deste tipo geram ressentimentos na base do Partido, adubando o terreno para os que defendem algo ainda mais negativo: a chamada aliança estratégica com o PSDB.
No debate que travamos no Diretório Nacional, 44 votaram a favor da aliança com Roseana Sarney. A maioria destes 44 não parecia satisfeita com o que estava fazendo. Talvez tivessem a consciência de que, embora formalmente legítima e juridicamente legal, a decisão que estavam tomando era estrategicamente desastrosa. Quem sabe se não foi por isso que alguns exageraram nos argumentos táticos, dizendo que o palanque de Flávio Dino era uma armadilha tucana, ou que do apoio à Roseana dependeria a vitória de Dilma.
Podiam ter nos poupado e se poupado destas tolices, se tivessem simplesmente admitido que Sarney, como é do seu feitio, usou de seu cargo de presidente do Senado para chantagear o governo, que por sua vez pressionou a campanha e o Partido.
Seja como for, a questão de fundo persiste: o PMDB e oligarquias regionais como os Sarney podem, eventualmente, ser úteis e necessárias para derrotar a direita tucano-demista, sem dúvida nossa inimiga principal. Algumas concessões devem ser feitas, para que o PMDB e aquelas oligarquias nos apóiem. Mas se estas concessões enfraquecerem estrategicamente o PT, o resultado da operação será, mais cedo ou mais tarde, o contrário do que se pretende.
Este é a explicação que os 44 nos devem: como não repetir Pirro?