Lembranças que o tempo quase apagou
Por Hamilton Octavio de Souza
O Partido dos Trabalhadores acaba de completar 30 anos de sua fundação. É o partido que está no governo federal, em alguns governos estaduais, em muitas prefeituras, com bancadas legislativas expressivas nos vários níveis. Tem um milhão de filiados, controla a mais importante central sindical, está presente nos movimentos sociais, ONGs, entidades civis, empresas públicas e privadas. É hoje uma grande máquina de atuação política com tentáculos em inúmeros negócios. Evidentemente os seus quadros dirigentes devem sentir orgulho do que construiram, apesar de todas as adversidades enfrentadas ao longo de tantos anos.
A minha história de vida também está ligada ao PT. Não até hoje, mas aos primórdios do partido, durante os anos 80 e parte dos anos 90. Depois disso a ligação passou a ser apenas esporádica, episódica, muito mais em função das relações pessoais com um ou outro companheiro ou companheira do que com a estrutura partidária. Não quero falar da minha vida, mas o esclarecimento acima é necessário. Quero escrever sobre algumas lembranças, reminiscências aleatórias, algo que fez parte de uma época do partido e que ainda faz algum sentido – na minha visão política de hoje.
Antes de marcarmos o encontro do Colégio Sion, que se tornou o marco oficial de fundação do partido (10/02/1980), tivemos – todas as pessoas e grupos engajados – ao longo de 1979 inúmeros encontros e conversas com lideranças políticas de vários matizes, nos quais se debatia a constituição de uma nova frente à esquerda do MDB (PMDB), não tão ampla, mas também não fechada demais nas classes trabalhadoras. Esse debate não foi adiante porque as principais lideranças do movimento pró-PT insistiam num corte classista para o novo partido, algo que fosse mais definido politicamente do que uma frente geléia geral; fixou-se assim num perfil que expressasse de fato a luta dos trabalhadores. A palavra de ordem na época era “um partido sem patrões”.
Devido a essa definição básica, de um partido de trabalhadores comprometido com a transformação social, o PT rompeu com a “frente democrática” reunida no PMDB e foi duramente criticado – durante anos – tanto por grupos progressistas quanto por partidos e organizações de esquerda. Para o PCB da época (que não tem nada a ver com o atual PCB), o PT fazia o jogo do general Golbery do Couto e Silva e não passava de linha auxiliar da ditadura. Alguns grupos trotskistas, como o do pessoal de O Trabalho, diziam que o Lula era agente da CIA e ou do Vaticano infiltrado no movimento sindical para impedir que o operariado caminhasse para o comunismo. Muita gente da esquerda atribuía ao PT o papel de enfraquecer e dividir as lutas dos trabalhadores e da própria esquerda.
Todos os que militaram no PT naquela época sentiram na carne o peso de tais acusações, sem contar a perseguição implacável da direita, não apenas das forças que davam sustentação à ditadura militar, entre 80 e 85, mas também do empresariado e da mídia considerados democráticos e liberais. Os petistas estiveram à frente de milhares de greves ocorridas entre 79 e 83, e também engrossaram as listas de demissões das empresas; foram, durante anos, os alvos preferenciais da repressão da Polícia Militar, primeiro da malufista e, depois, da montorista. Na greve geral de 83, vários sindicatos dirigidos por petistas sofreram intervenção federal. Deputados eleitos pelo PT em 82 estiveram nas frentes de luta dos trabalhadores e foram vítimas de acusações falsas e de calúnias.
Evidentemente que a teimosia dos petistas em construir uma organização política própria, combativa, autêntica representante das demandas dos trabalhadores e dos setores populares, chamou para cima da nova organização todo o ódio das classes dominantes e das classes médias influenciadas pelas políticas tradicionais. Mas o PT só conseguiu incorporar, nos anos seguintes, milhões de trabalhadores à luta política porque, naquele momento, escapou das armadilhas das elites, teve a ousadia de romper com as tendências conciliatórias e se afirmou com independência na construção de seu próprio caminho. Os petistas fizeram o mesmo, em 83, na construção da CUT – rompendo com a Conclat das correntes sindicais remanescentes da ditadura e que defendiam a “unidade” a qualquer preço.
Não dá para negar – e nem apagar da memória – que o PT e a CUT nasceram de importantes rupturas, no momento em que trabalhadores e lideranças políticas tiveram a clareza de que a construção do novo só poderia ser feita com o abandono do velho. Se o tempo mudou o rumo e as práticas do partido é outra história. Em 1980 a ousadia revolucionária foi decisiva para a fundação do PT.
Hamilton Octavio de Souza é jornalista, editor da revista Caros Amigos e professor da PUC-SP
Fonte: Revista Caros Amigos
O Partido dos Trabalhadores acaba de completar 30 anos de sua fundação. É o partido que está no governo federal, em alguns governos estaduais, em muitas prefeituras, com bancadas legislativas expressivas nos vários níveis. Tem um milhão de filiados, controla a mais importante central sindical, está presente nos movimentos sociais, ONGs, entidades civis, empresas públicas e privadas. É hoje uma grande máquina de atuação política com tentáculos em inúmeros negócios. Evidentemente os seus quadros dirigentes devem sentir orgulho do que construiram, apesar de todas as adversidades enfrentadas ao longo de tantos anos.
A minha história de vida também está ligada ao PT. Não até hoje, mas aos primórdios do partido, durante os anos 80 e parte dos anos 90. Depois disso a ligação passou a ser apenas esporádica, episódica, muito mais em função das relações pessoais com um ou outro companheiro ou companheira do que com a estrutura partidária. Não quero falar da minha vida, mas o esclarecimento acima é necessário. Quero escrever sobre algumas lembranças, reminiscências aleatórias, algo que fez parte de uma época do partido e que ainda faz algum sentido – na minha visão política de hoje.
Antes de marcarmos o encontro do Colégio Sion, que se tornou o marco oficial de fundação do partido (10/02/1980), tivemos – todas as pessoas e grupos engajados – ao longo de 1979 inúmeros encontros e conversas com lideranças políticas de vários matizes, nos quais se debatia a constituição de uma nova frente à esquerda do MDB (PMDB), não tão ampla, mas também não fechada demais nas classes trabalhadoras. Esse debate não foi adiante porque as principais lideranças do movimento pró-PT insistiam num corte classista para o novo partido, algo que fosse mais definido politicamente do que uma frente geléia geral; fixou-se assim num perfil que expressasse de fato a luta dos trabalhadores. A palavra de ordem na época era “um partido sem patrões”.
Devido a essa definição básica, de um partido de trabalhadores comprometido com a transformação social, o PT rompeu com a “frente democrática” reunida no PMDB e foi duramente criticado – durante anos – tanto por grupos progressistas quanto por partidos e organizações de esquerda. Para o PCB da época (que não tem nada a ver com o atual PCB), o PT fazia o jogo do general Golbery do Couto e Silva e não passava de linha auxiliar da ditadura. Alguns grupos trotskistas, como o do pessoal de O Trabalho, diziam que o Lula era agente da CIA e ou do Vaticano infiltrado no movimento sindical para impedir que o operariado caminhasse para o comunismo. Muita gente da esquerda atribuía ao PT o papel de enfraquecer e dividir as lutas dos trabalhadores e da própria esquerda.
Todos os que militaram no PT naquela época sentiram na carne o peso de tais acusações, sem contar a perseguição implacável da direita, não apenas das forças que davam sustentação à ditadura militar, entre 80 e 85, mas também do empresariado e da mídia considerados democráticos e liberais. Os petistas estiveram à frente de milhares de greves ocorridas entre 79 e 83, e também engrossaram as listas de demissões das empresas; foram, durante anos, os alvos preferenciais da repressão da Polícia Militar, primeiro da malufista e, depois, da montorista. Na greve geral de 83, vários sindicatos dirigidos por petistas sofreram intervenção federal. Deputados eleitos pelo PT em 82 estiveram nas frentes de luta dos trabalhadores e foram vítimas de acusações falsas e de calúnias.
Evidentemente que a teimosia dos petistas em construir uma organização política própria, combativa, autêntica representante das demandas dos trabalhadores e dos setores populares, chamou para cima da nova organização todo o ódio das classes dominantes e das classes médias influenciadas pelas políticas tradicionais. Mas o PT só conseguiu incorporar, nos anos seguintes, milhões de trabalhadores à luta política porque, naquele momento, escapou das armadilhas das elites, teve a ousadia de romper com as tendências conciliatórias e se afirmou com independência na construção de seu próprio caminho. Os petistas fizeram o mesmo, em 83, na construção da CUT – rompendo com a Conclat das correntes sindicais remanescentes da ditadura e que defendiam a “unidade” a qualquer preço.
Não dá para negar – e nem apagar da memória – que o PT e a CUT nasceram de importantes rupturas, no momento em que trabalhadores e lideranças políticas tiveram a clareza de que a construção do novo só poderia ser feita com o abandono do velho. Se o tempo mudou o rumo e as práticas do partido é outra história. Em 1980 a ousadia revolucionária foi decisiva para a fundação do PT.
Hamilton Octavio de Souza é jornalista, editor da revista Caros Amigos e professor da PUC-SP
Fonte: Revista Caros Amigos
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