quarta-feira, 28 de julho de 2010

20 anos de Acari, 17 de Candelária: memória da impunidade


por Viviane Oliveira - 25/07/2010

Vila do João | RJ

Familiares de vítimas da violência do Estado, com apoio de movimentos sociais, marcham para lembrar chacinas da Candelária e de Acari e protestar contra criminalização da pobreza

As histórias são muitas, mas a dor é a mesma. Mães que perderam seus filhos violentamente reuniram-se em frente à Igreja da Candelária, no centro do Rio, neste dia 23 de julho. A data marca os 17 anos do assassinato de oito jovens no local. Com o apoio de diversos movimentos sociais, a “Caminhada em Defesa da Vida” reuniu cerca de duas mil pessoas que protestavam contra a impunidade e a violência do Estado.

O ato, que já está em sua 17ª edição, adotou este ano como tema os 20 anos do Caso Acari. Na ocasião, 11 jovens foram sequestrados por policiais. Até hoje, seus corpos não foram encontrados e o inquérito não foi concluído.

“É difícil o Estado investigar crimes quando os prováveis autores são policiais militares e civis. Isso mostra como é necessária a organização da sociedade. As Mães de Acariforam pioneiras nessa luta, dos familiares de vítimas por justiça e por mudança social”, diz Maurício Campos, da Rede contra a Violência.

Marilene Lima e Souza, uma das Mães de Acari, desabafa: “A justiça não está ao nosso alcance. Mas, enquanto eu tiver forças, vou continuar na luta para saber o que realmente aconteceu com minha filha. Quero ter o direito de enterrar o que sobrou dela”. Na época do assassinato, Rosana Souza Santos, filha de Marilene, tinha 17 anos.

O grupo, que inicialmente tinha 10 mães, hoje conta com apenas quatro. “Depois do assassinato da Edméia, algumas mães ficaram muito assustadas e acabaram se afastando. O temor só diminuiu com a morte do policial conhecido como Peninha, que foi apontado como chefe do grupo de extermínio que teria executado minha filha e os outros jovens”, diz Marilene.

Licença para matar

O apoio dos movimentos sociais aos familiares das vítimas da violência é fundamental. É o que aponta Márcia Jacinto, mãe de Henry Silva Gomes, morto pela polícia aos 16 anos de idade, no Lins, zona norte do Rio. “Só desta maneira, nós, moradores de comunidades, podemos mostrar o que realmente acontece lá dentro e é ignorado pelo poder público”, diz. Para ela, não há interesse por parte das autoridades em ouvir ou investigar as atrocidades que acontecem nas favelas: “A polícia declara auto de resistência, o delegado assina e o poder judiciário enterra. Se nós não corrermos atrás, outras mães vão continuar chorando”. O inquérito da morte de Henry registrou que ele era traficante, portava um revolver 38, trouxinhas de maconha e trocou tiros com a polícia. “Tudo mentira”, afirma Márcia.

Em 2003, cinco jovens do Morro do Borel, zona norte do Rio, foram mortos pela polícia e no registro de ocorrência também foi alegado auto de resistência. Maria Dalva da Costa, mãe de Tiago da Costa Correia da Silva, uma das vítimas, diz que essa alegação é apenas uma desculpa que a polícia utiliza para matar: “Eles disseram que o meu filho e os outros quatro meninos estavam armados e que trocaram tiros. Na verdade, eles eram trabalhadores e, acima de tudo, jovens brasileiros. Meu filho foi enterrado como traficante e foi muito difícil para mim provar que ele não era”. Dois dos envolvidos na chacina foram absolvidos, um foi condenado - mas já está em liberdade - e outros dois, que ainda não foram julgados, estão respondendo ao processo em liberdade.

O fantasma da tortura

Outra face da violência do Estado, que assombra os presídios e carceragens do Brasil desde a época da ditadura militar, é a tortura. O filho de Indaiá Maria Mendes Moreira foi preso em fevereiro de 2009 e levado para a carceragem de Neves, em São Gonçalo. Lá o jovem Vinícius Moreira Ribeiro passou 22 dias até que a mãe recebesse a notícia de sua morte: “No dia em que eu cheguei com o alvará de soltura, fique sabendo que ele não estava mais lá. Meu filho foi morto dentro da carceragem e os policiais disseram que ele tinha caído e batido com a cabeça. Ele completaria agora 22 anos, foi criado com todo amor, carinho, e tiraram a vida dele por meio de tortura”.

Um dos panfletos distribuídos durante a passeata conta a história de Andreu Luis da Silva de Carvalho, jovem morador do Cantagalo torturado e assassinado por seis agentes do Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas) em 1 de janeiro de 2008. O caso aconteceu no Centro de Triagem (CTR), instituição destinada a “ressocializar jovens infratores”, e é apontado pelos movimentos, ao lado de vários outros exemplos, como parte de uma “política de extermínio e criminalização da pobreza”.

A manifestação foi finalizada com um ato político-cultural em frente à Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, na Cinelândia. Representantes de entidades e vítimas da violência discursaram ao microfone e lembraram também os 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Outra atividade para relembrar as chacinas e a impunidade foi realizada neste domingo (25), no Grêmio Recreativo Escola de Samba Favo de Acari.

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